CAPANEMA AMARGA ESPERA POR HOSPITAL

Jhenyfer foi o nome escolhido pelo pintor Dênis Justino Melo e a mulher dele, Marilene da Rocha, para a filha, asegunda do casal. Da criança só restou uma foto, emoldurada numquadro. Em vez de um sorriso de bebê, a foto retrata Jhenyfer numpequeno caixão, na casa simples de madeira em que o casal ainda mora,no município de Santa Luzia do Pará. Foi o ponto final de uma malcontada história de atendimento médico no hospital São Joaquim, emCapanema. Marilene enfrentou uma via-crúcis de duas idas ao hospitalnum prazo de oito dias. Na primeira vez mandaram-na para casa, sem quefosse atendida, apesar das dores que sentia. Da segunda, foiconstatado que o bebê estava morto na barriga da mãe.Mais do que uma exceção trágica, o que Marilene, 30 anos, viveu, hápouco mais de um ano, é uma situação que não é incomum para osmoradores de 17 municípios que deveriam ser atendidos em Capanema, umdos municípios-polo em Saúde da Região Nordeste do Estado. O municípiorecebe verba federal para pactuar com outros municípios o atendimentoaos pacientes que precisam ser atendidos lá. Mas o caminho normalacaba sendo a ambulância para Belém.Isso porque o hospital de Pronto-Atendimento de Capanema ainda estáparado numa reforma que deveria estar pronta, mas que segundo um dostrabalhadores da obra, está a ‘passo miúdo’ porque a verba não estáchegando até eles. Na placa em frente ao prédio, há a informação deque a obra, num valor total de R$ 1.264.000, estaria pronta em 180dias, embora não haja indicação de quando ela foi iniciada. “Era paraser entregue no fim do mês”, diz uma conselheira de Saúde domunicípio. Conselheira, aliás, que fica sem ter o que fazer, já que oConselho Municipal de Saúde existe apenas no nome.Sobre o assunto o silêncio é total na Secretaria Municipal de Saúde emCapanema. Procurado pelo DIÁRIO, o secretário Edmilson Bezerra mandoudizer que “estava em reunião sem hora para terminar e pediaencarecidamente que a reportagem voltasse outro dia”.Com a obra do PAM, como é chamado o hospital municipal, os pacientesdo SUS foram deslocados para três hospitais particulares. Hospital deClínicas, Saúde Center e São Joaquim. Sobram reclamações e algunspoucos elogios entre os que são atendidos nesses hospitais. No SaúdeCenter, que tem um belo outdoor na entrada de Capanema, os pacientesdo SUS são alocados numa área externa coberta. Uma paciente diz que écomum que técnicos de saúde façam o trabalho de enfermeiros. O DIÁRIOnão teve acesso às dependências do hospital.SEM MÉDICOSO fluxo é maior no hospital São Joaquim. Já foi chamado de ‘matadouro’no município. É um título que tem uma parcela de injustiça. O SãoJoaquim é quem mais recebe sem recusar os pacientes de outrosmunicípios e os casos mais graves. Por conta disso, acaba tendo maismortes em sua contabilidade. Por questões que a administração dohospital justifica como um quê de desavença política, o São Joaquimteve reduzido em mais de 50% o número de leitos do SUS. O resultado éque um andar inteiro do hospital foi fechado. Ninguém da administraçãodo hospital se manifestou sobre o problema.Profissionais de saúde que trabalham no município têm medo de falar. Ademissão é certa. Sem se identificar, no entanto, revelam que hágraves problemas em Capanema. “Na maioria dos hospitais há um médicopara o hospital todo. Por isso o atendimento não é bom. Não tem comoser”, diz uma enfermeira. O resultado, segundo ela, é que os técnicosde saúde ficam sobrecarregados de trabalho.Os municípios que deveriam ser atendidos por Capanema têm as própriasdificuldades para superar. Em Santa Luzia, a secretária de saúde VâniaBlandtt já se tornou pessoa mal vista, de tanto que insiste em cobrarresultados nas reuniões entre seus pares. “Em Santa Luzia metade dosserviços está pactuado com o município de Capanema. Mas não funciona acontento. No ano passado, em Quatipuru, uma criança morreu, ficou láno necrotério de um hospital de Capanema e quando foi retirada, haviasido mordida por ratos”, narra ela.Santa Luzia acaba recebendo pacientes de Viseu, Cachoeira do Piriá eaté do Gurupi, no Maranhão. “Lá em Capanema temos problemas de médicosque cobram para fazer parto. Cobram R$ 500 reais, por uma cirurgia queé bancada pelo SUS”, diz a secretária, que chegou a levar a denúnciaao Conselho de Saúde do Município, quando este ainda funcionava.“Estamos assumindo uma responsabilidade que não é nossa”, diz oenfermeiro-chefe da Unidade de Saúde de Santa Luzia, Luís Carlos dosSantos. “Só estou mandando pacientes para Capanema em último caso”,admite ele. O problema é que Santa Luzia não tem estrutura para fazermuito. “Aqui não há estrutura para coisas complexas. Não temos raio x,por exemplo”, diz a diretora Carmen Lúcia Machado.Situação igual também se estende a outros municípios, comoSalinópolis. Na quinta-feira, pacientes aguardavam desde às 6h por ummédico. “Ele chegou e foi embora”, dizia Ellen Ramires, sentada nafrente do Hospital Regional Doutor Olympio Cardoso da Silveira. ComAlice, de dois anos, sentada no colo, Ellen esperava que a filha, comfebre e vômito, fosse atendida.Com o joelho inchado, Maria Domingas, 87 anos, desistia de esperar.Eram quase dez da manhã. Domingas chegou às 7h30, vinda de ônibus domunicípio de São João de Pirabas. “Estou em jejum, sem um tostão”,reclamava enquanto mostrava a perna dolorida. Mas foi só o DIÁRIOcomeçar a ouvir os pacientes que estavam do lado de fora do hospitalque um funcionário saiu e gritou: “O médico está aí. Vamos entrar parafazer a consulta”.“Só se ele chegou de helicóptero”, ironizou Márcio Ferro, pai de JoãoLucas, de um ano, que ardia em febre.


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PS: Matéria publicada no Diário do Pará em 08 de março de 2010

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